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As três diferentes e hipotéticas formas de driblar o Tribunal de Contas por prefeitos do sertão.

Na minha coluna de hoje, saio um pouco da seara política e entro no campo administrativo, compartilhando um pouco das muitas malandragens que vi ao longo dos últimos anos nos municípios paraibanos de meu Deus. Como são muitas, dividirei em partes.

Parte 1 – Contratações

Comecemos pelas contratações por “excepcional interesse público”. Em tese, como o próprio nome deixa claro, deveriam existir apenas em situações excepcionais, de forma temporária e até que cessasse a necessidade imediata de determinado serviço.

Na prática, na Paraíba, a regra virou exceção. Há municípios em que o número de contratados chega a superar o de efetivos em mais de 1000%, rasgando o art. 37, incisos II e IX da Constituição Federal como se fossem confetes de carnaval.

E não para por aí: muitos desses contratados atravessam os quatro anos de mandato exercendo a mesma função, mudando apenas de matrícula a cada renovação. Um expediente que desvirtua totalmente a temporariedade, escancara a falta de critérios técnicos e revela a aberração administrativa que esse excesso representa.

O Tribunal de Contas do Estado da Paraíba até tentou reagir. Em 2024, publicou a Resolução Normativa nº 04/2024, estabelecendo condições para tais contratações e limitando-as a 30% do número de efetivos. Foi um começo. Mas, como de costume, o sistema apenas se vestiu com roupas novas.

Parte 2 – Terceirizações

Na terra que ensinou a Paraíba a ler, desde meados de 2023 já estava em curso uma nova manobra. O prefeito da época contratou uma cooperativa para prestar serviços de mão de obra, uma empresa totalmente subordinada. O objetivo? Reduzir o número de contratados diretos na folha de pagamento, atender formalmente às recomendações do TCE, tentar baixar os percentuais de despesa com pessoal (sem sucesso, já que fechou 2023 com 63,36%, acima do limite de 54% da LRF) e, principalmente, manter cabos eleitorais e aliados recebendo religiosamente, agora de forma indireta, via cooperativa.

Dos 238 cooperados inicialmente contratados, 107 eram, até o mês anterior, exatamente os mesmos contratados por excepcional interesse público que figuravam na folha municipal. Zé trocou de cabide, mas as mesmas roupas continuaram penduradas.

Não satisfeito, em novembro de 2023, o baixinho inovou outra vez: firmou contrato com uma Organização Social. A empresa começou a atuar em 2024 e trouxe consigo 244 prestadores de serviço. Coincidência ou não, 119 deles haviam sido, até o mês anterior, contratados temporários da própria prefeitura.

O resultado? Os mesmos serviços, as mesmas necessidades contínuas, tudo o que deveria ser suprido por concurso público, conforme determina a Constituição. O que se viu foi apenas mais uma manobra política, administrativa e contábil, um drible tão engenhoso que colocaria até a ex-presidente Dilma Rousseff na sala de aula, não como professora, mas como aluna.

Parte 3 – A reinvenção: cargos comissionados

Depois que o Tribunal de Contas, no Processo nº 4551/24, declarou ilegais as contratações de cooperativas para substituir os antigos contratados por excepcional interesse público, o sistema não demorou a se reinventar.

A bola da vez? Os cargos comissionados. Aqueles que, em teoria, sempre foram a menor fatia da folha de pagamento, destinados a funções de direção, chefia e assessoramento, de repente ganharam status de protagonistas.

Surgiram, quase da noite para o dia, departamentos e diretorias mirabolantes: Diretoria da Folha de Ofício, Departamento da Água Sanitária, Coordenação do Cuscuz, Assessoria das Canetas Bic. Dentro delas surgiram uma penca de “assessores”, “gerentes”, “diretores” e “técnicos”, tudo criado com um único objetivo: manter os aliados na folha de pagamento, mas agora sob o manto da legalidade aparente.

A lógica é simples e perversa: demitem-se os contratados, e, no dia seguinte, eles reaparecem nomeados como comissionados. O percentual da Resolução do TCE passa a ser cumprido no papel, e o jogo segue sem interferências, como se nada tivesse acontecido.

Em um certo município da região de Cajazeiras, em 2023, o número de contratados era de 214, ante 85 comissionados. Um ano depois, após a resolução da Corte de Contas, o número de contratados caiu para 71, ante 162 comissionados. Não deu para agrupar todo mundo, mas nem preciso dizer que quem passou a ser comissionado era, em 2023, contratado, né?

Parte 4 – Da Folha Paralela

Já falei das empresas terceirizadas que absorvem os mesmos contratados “demitidos” pelas prefeituras. Agora é a vez de falar de outra modalidade de folha paralela.

Essa ocorre sem licitação, da forma mais primitiva possível, por empenho, elemento de despesa 36 – “outros serviços de pessoa física”. As mesmas pessoas prestam os mesmos serviços de maneira contínua, recebendo por empenho, pagando apenas o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), sem qualquer recolhimento previdenciário.

Trata-se da forma mais escancarada de precarização da relação de trabalho, a mais maldosa e cruel de prestigiar os aliados políticos menos importantes.

Parte 5 – O fim

Bem que eu gostaria de dizer que tudo que acabo de mencionar não passa de um devaneio, um sonho de uma noite de verão. No fim, para a manutenção da eternização de um projeto de poder, o sistema se reinventa e privilegia os mais covardes em detrimento dos desafortunados.

Na minha coluna de hoje, saio um pouco da seara política e entro no campo administrativo, compartilhando um pouco das muitas malandragens que vi ao longo dos últimos anos nos municípios paraibanos de meu Deus. Como são muitas, dividirei em partes.

Parte 1 – Contratações

Comecemos pelas contratações por “excepcional interesse público”. Em tese, como o próprio nome deixa claro, deveriam existir apenas em situações excepcionais, de forma temporária e até que cessasse a necessidade imediata de determinado serviço.

Na prática, na Paraíba, a regra virou exceção. Há municípios em que o número de contratados chega a superar o de efetivos em mais de 1000%, rasgando o art. 37, incisos II e IX da Constituição Federal como se fossem confetes de carnaval.

E não para por aí: muitos desses contratados atravessam os quatro anos de mandato exercendo a mesma função, mudando apenas de matrícula a cada renovação. Um expediente que desvirtua totalmente a temporariedade, escancara a falta de critérios técnicos e revela a aberração administrativa que esse excesso representa.

O Tribunal de Contas do Estado da Paraíba até tentou reagir. Em 2024, publicou a Resolução Normativa nº 04/2024, estabelecendo condições para tais contratações e limitando-as a 30% do número de efetivos. Foi um começo. Mas, como de costume, o sistema apenas se vestiu com roupas novas.

Parte 2 – Terceirizações

Na terra que ensinou a Paraíba a ler, desde meados de 2023 já estava em curso uma nova manobra. O prefeito da época contratou uma cooperativa para prestar serviços de mão de obra, uma empresa totalmente subordinada. O objetivo? Reduzir o número de contratados diretos na folha de pagamento, atender formalmente às recomendações do TCE, tentar baixar os percentuais de despesa com pessoal (sem sucesso, já que fechou 2023 com 63,36%, acima do limite de 54% da LRF) e, principalmente, manter cabos eleitorais e aliados recebendo religiosamente, agora de forma indireta, via cooperativa.

Dos 238 cooperados inicialmente contratados, 107 eram, até o mês anterior, exatamente os mesmos contratados por excepcional interesse público que figuravam na folha municipal. Zé trocou de cabide, mas as mesmas roupas continuaram penduradas.

Não satisfeito, em novembro de 2023, o baixinho inovou outra vez: firmou contrato com uma Organização Social. A empresa começou a atuar em 2024 e trouxe consigo 244 prestadores de serviço. Coincidência ou não, 119 deles haviam sido, até o mês anterior, contratados temporários da própria prefeitura.

O resultado? Os mesmos serviços, as mesmas necessidades contínuas, tudo o que deveria ser suprido por concurso público, conforme determina a Constituição. O que se viu foi apenas mais uma manobra política, administrativa e contábil, um drible tão engenhoso que colocaria até a ex-presidente Dilma Rousseff na sala de aula, não como professora, mas como aluna.

Parte 3 – A reinvenção: cargos comissionados

Depois que o Tribunal de Contas, no Processo nº 4551/24, declarou ilegais as contratações de cooperativas para substituir os antigos contratados por excepcional interesse público, o sistema não demorou a se reinventar.

A bola da vez? Os cargos comissionados. Aqueles que, em teoria, sempre foram a menor fatia da folha de pagamento, destinados a funções de direção, chefia e assessoramento, de repente ganharam status de protagonistas.

Surgiram, quase da noite para o dia, departamentos e diretorias mirabolantes: Diretoria da Folha de Ofício, Departamento da Água Sanitária, Coordenação do Cuscuz, Assessoria das Canetas Bic. Dentro delas surgiram uma penca de “assessores”, “gerentes”, “diretores” e “técnicos”, tudo criado com um único objetivo: manter os aliados na folha de pagamento, mas agora sob o manto da legalidade aparente.

A lógica é simples e perversa: demitem-se os contratados, e, no dia seguinte, eles reaparecem nomeados como comissionados. O percentual da Resolução do TCE passa a ser cumprido no papel, e o jogo segue sem interferências, como se nada tivesse acontecido.

Em um certo município da região de Cajazeiras, em 2023, o número de contratados era de 214, ante 85 comissionados. Um ano depois, após a resolução da Corte de Contas, o número de contratados caiu para 71, ante 162 comissionados. Não deu para agrupar todo mundo, mas nem preciso dizer que quem passou a ser comissionado era, em 2023, contratado, né?

Parte 4 – Da Folha Paralela

Já falei das empresas terceirizadas que absorvem os mesmos contratados “demitidos” pelas prefeituras. Agora é a vez de falar de outra modalidade de folha paralela.

Essa ocorre sem licitação, da forma mais primitiva possível, por empenho, elemento de despesa 36 – “outros serviços de pessoa física”. As mesmas pessoas prestam os mesmos serviços de maneira contínua, recebendo por empenho, pagando apenas o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), sem qualquer recolhimento previdenciário.

Trata-se da forma mais escancarada de precarização da relação de trabalho, a mais maldosa e cruel de prestigiar os aliados políticos menos importantes.

Parte 5 – O fim

Bem que eu gostaria de dizer que tudo que acabo de mencionar não passa de um devaneio, um sonho de uma noite de verão. No fim, para a manutenção da eternização de um projeto de poder, o sistema se reinventa e privilegia os mais covardes em detrimento dos desafortunados.

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