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O ouro que o sertão perdeu

Durante boa parte do século XX, o algodão foi mais que uma cultura agrícola na Paraíba — foi o símbolo de um tempo em que o sertão respirava prosperidade. Conhecido como o ‘ouro branco’, o algodão moldou economias locais, encheu armazéns, sustentou famílias e deu fama a Campina Grande, que chegou a ser chamada de ‘Liverpool do Nordeste’. Afinal, era dali que toneladas de pluma seguiam para o porto de Cabedelo, destino dos mercados nacionais e internacionais.
Entre as décadas de 1930 e 1970, o ciclo algodoeiro atingiu seu auge. Segundo dados da Embrapa Algodão (2020), o estado chegou a produzir mais de 200 mil toneladas anuais, respondendo por cerca de 12% da produção nacional. O sertão e o agreste fervilhavam de vida: Patos, Sousa, Catolé do Rocha e Campina Grande giravam em torno da safra. O algodão movia trens, abria usinas de beneficiamento e mantinha vivas as tecelagens que empregavam milhares de trabalhadores.
Mas a engrenagem que sustentava esse ciclo começou a enferrujar nas décadas seguintes. Enquanto outras regiões — especialmente o Centro-Oeste e os Estados Unidos — modernizavam suas plantações com máquinas e irrigação, o sertão paraibano seguia preso a métodos tradicionais. A produtividade média por hectare, que mal passava dos 300 quilos, era pequena diante dos mais de 1.500 obtidos nas áreas mecanizadas. A falta de investimentos, infraestrutura precária e o abandono de políticas públicas de modernização foram corroendo a competitividade do algodão paraibano.
O golpe final veio na década de 1980, quando o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) chegou como uma sentença. A praga devastou o que restava das lavouras. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE (1995), em menos de dez anos, mais de 90% da área plantada foi perdida. Sem assistência técnica e recursos, os pequenos produtores abandonaram o campo, e o sertão viu o êxodo rural crescer. Campina Grande, que por décadas prosperou com o algodão, perdeu o alicerce de sua economia.
O fim do algodão significou mais do que o colapso de uma cadeia produtiva — foi o fim de uma era. A Paraíba mergulhou num processo de desindustrialização, e o comércio e os serviços tomaram o protagonismo. No campo, a produção se voltou para culturas de subsistência e pecuária. Ainda assim, da memória brotaram novas tentativas de replantar esperança. Nos anos 2000, projetos de reintrodução sustentável do algodão, liderados por cooperativas e pela Embrapa Algodão, deram origem à produção de algodão agroecológico. Hoje, cerca de 5 mil hectares são
cultivados de forma orgânica, com exportações para países como França e Alemanha (Embrapa, 2022).
Olhar para trás e entender esse ciclo é mais do que exercício histórico — é refletir sobre o próprio desenvolvimento regional. O fim do algodão revela como o Nordeste foi, muitas vezes, deixado à margem dos processos de modernização. Como estudante de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vejo nesse passado uma lição clara: o progresso não deve apagar as raízes produtivas que um dia sustentaram o povo. A história do algodão na Paraíba é, acima de tudo, a história de uma terra que aprendeu a transformar a perda em reinvenção.
Fontes
EMBRAPA ALGODÃO. Panorama da Cotonicultura no Nordeste Brasileiro. Campina Grande: Embrapa, 2020
IBGE. Censo Agropecuário 1995–1996. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1997.
LIMA, José de Anchieta. O Algodão na Paraíba: História e Perspectivas Econômicas. João Pessoa: UFPB/CCSA, 2008.
SILVA, Francisco de Assis. A decadência do ciclo algodoeiro e seus impactos socioeconômicos no semiárido paraibano. Revista Econômica do Nordeste, v. 45, n. 3, 2014.
INSTITUTO ESPLAR & EMBRAPA. Algodão em Consórcios Agroecológicos: resultados e desafios. Fortaleza, 2022.
IBGE. Produção Agrícola Municipal – Séries Históricas 1930–2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.

Durante boa parte do século XX, o algodão foi mais que uma cultura agrícola na Paraíba — foi o símbolo de um tempo em que o sertão respirava prosperidade. Conhecido como o ‘ouro branco’, o algodão moldou economias locais, encheu armazéns, sustentou famílias e deu fama a Campina Grande, que chegou a ser chamada de ‘Liverpool do Nordeste’. Afinal, era dali que toneladas de pluma seguiam para o porto de Cabedelo, destino dos mercados nacionais e internacionais.
Entre as décadas de 1930 e 1970, o ciclo algodoeiro atingiu seu auge. Segundo dados da Embrapa Algodão (2020), o estado chegou a produzir mais de 200 mil toneladas anuais, respondendo por cerca de 12% da produção nacional. O sertão e o agreste fervilhavam de vida: Patos, Sousa, Catolé do Rocha e Campina Grande giravam em torno da safra. O algodão movia trens, abria usinas de beneficiamento e mantinha vivas as tecelagens que empregavam milhares de trabalhadores.
Mas a engrenagem que sustentava esse ciclo começou a enferrujar nas décadas seguintes. Enquanto outras regiões — especialmente o Centro-Oeste e os Estados Unidos — modernizavam suas plantações com máquinas e irrigação, o sertão paraibano seguia preso a métodos tradicionais. A produtividade média por hectare, que mal passava dos 300 quilos, era pequena diante dos mais de 1.500 obtidos nas áreas mecanizadas. A falta de investimentos, infraestrutura precária e o abandono de políticas públicas de modernização foram corroendo a competitividade do algodão paraibano.
O golpe final veio na década de 1980, quando o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) chegou como uma sentença. A praga devastou o que restava das lavouras. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE (1995), em menos de dez anos, mais de 90% da área plantada foi perdida. Sem assistência técnica e recursos, os pequenos produtores abandonaram o campo, e o sertão viu o êxodo rural crescer. Campina Grande, que por décadas prosperou com o algodão, perdeu o alicerce de sua economia.
O fim do algodão significou mais do que o colapso de uma cadeia produtiva — foi o fim de uma era. A Paraíba mergulhou num processo de desindustrialização, e o comércio e os serviços tomaram o protagonismo. No campo, a produção se voltou para culturas de subsistência e pecuária. Ainda assim, da memória brotaram novas tentativas de replantar esperança. Nos anos 2000, projetos de reintrodução sustentável do algodão, liderados por cooperativas e pela Embrapa Algodão, deram origem à produção de algodão agroecológico. Hoje, cerca de 5 mil hectares são
cultivados de forma orgânica, com exportações para países como França e Alemanha (Embrapa, 2022).
Olhar para trás e entender esse ciclo é mais do que exercício histórico — é refletir sobre o próprio desenvolvimento regional. O fim do algodão revela como o Nordeste foi, muitas vezes, deixado à margem dos processos de modernização. Como estudante de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vejo nesse passado uma lição clara: o progresso não deve apagar as raízes produtivas que um dia sustentaram o povo. A história do algodão na Paraíba é, acima de tudo, a história de uma terra que aprendeu a transformar a perda em reinvenção.
Fontes
EMBRAPA ALGODÃO. Panorama da Cotonicultura no Nordeste Brasileiro. Campina Grande: Embrapa, 2020
IBGE. Censo Agropecuário 1995–1996. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1997.
LIMA, José de Anchieta. O Algodão na Paraíba: História e Perspectivas Econômicas. João Pessoa: UFPB/CCSA, 2008.
SILVA, Francisco de Assis. A decadência do ciclo algodoeiro e seus impactos socioeconômicos no semiárido paraibano. Revista Econômica do Nordeste, v. 45, n. 3, 2014.
INSTITUTO ESPLAR & EMBRAPA. Algodão em Consórcios Agroecológicos: resultados e desafios. Fortaleza, 2022.
IBGE. Produção Agrícola Municipal – Séries Históricas 1930–2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.

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